Lendas do Sul
São Sepé

"Arroio S. Sepé - no município de Caçapava; nasce na coxilha de Babiroquá e deságua no Vacacaí. Deve o nome, que lhe foi posto pelos Jesuítas, ao célebre chefe índio José Tiaraiú, conhecido por Sepé, vencido e morto na batalha de 7 de fevereiro de 1756, no sopé da Coxilha de Sta. Tecla, perto de Bagé.

"Era à margem deste arroio que existia a sepultura do referido índio, indicada por uma grande cruz de madeira, com uma inscrição - meio em latim, meio indiático -, que dizer o seguinte:

+ Em Nome de Todos os Santos +
No ano de Cristo Jesus de 1756
a 7 de fevereiro
morreu combatendo
o grande chefe guarani Tiaraiú
em um sábado santo
+ Subiu ao Céu dias antes do que +
o grande chefe da Taba do Uruguai
que morreu a 10 de fevereiro em quarta-
feira cobatendo contra um exército de
15.000 soldados.
+ Aqui enterrado +
A 4 de março
mandou levantar-lhe esta cruz
o padre D. Miguel
Descansa em paz
+

"Conforme a homenagem prestada pelos Jesuítas, na inscrição e na denominação do arroio, e não havendo no calendário católico santo de nome Sepé, temos que concluir que as virtudes, o mérito do grande chefe índio foram forais para a sua estranha canonização, no entretanto perdurável e popularizada.

"Foi sob tal aspecto que recordamos aqui este curioso fato......................"

(Cancioneiro Guasca)

O LUNAR DE SEPÉ

Eram armas de Castela
Que vinham do mar de além;
De Portugal também vinham,
Dizendo, por nosso bem:
Mas quem faz gemer a terra...
Em nome da paz não vem!

Mandaram por serra acima
Espantar os corações;
Que os Reis Vizinhos queriam
Acabar com as Missões,
Entre espadas e mosquetes,
Entre lanças e canhões!...

Cheiravam as brancas flores
Sobre os verdes laranjais;
Trabalhava-se na folha
Que vem dos altos ervais;
Comia-se das lavouras
Da mandioca e milharais.

Ninguém a vida roubava
Do semelhante cristão,
Nem a pobreza existia
Que chorasse pelo pão;
Jesus-Cristo era contente
E dava sua benção...

Por que vinha aquele mal,
Se o pecado não havia?...
O tributo se pagava
Se o vizo-rei o pedia,
E até sangue se mandava
Na gente moça que ia...

Eram armas de Castela
Que vinham do mar de além;
De Portugal também vinham,
Dizendo, por nosso bem:
Mas quem faz gemer a terra...
Em nome da paz não vem!

Os padres da encomenda
Faziam sua missão:
Batizando as criancinhas,
E casando, por união,
Os que juntavam os corpos
Por força do coração

Dum sangue dum grão-Cacique
Nasceu um dia um menino,
Trazendo um lunar na testa,
Que era bem pequenino:
Mas era um cruzeiro feito
Como um emblema divino!...

E aprendeu as letras feitas
Pelos padres, na escrita;
E tinha por penitência
Que a sua própria figura
De dia, era igual às outras...
E diferente, em noite escura!...

Diferente em noite escura,
Pelo lunar do seu rosto,
Que se tornava visível
Apenas o sol era posto;
Assim era Tiaraiú,
Chamado Sepé, por gosto.

Eram armas de Castela
Que vinham do mar de além;
De Portugal também vinham,
Dizendo, por nosso bem:
Mas quem faz gemer a terra...
Em nome da paz não vem!

Cresceu em sabedoria
E mando dos povos seus;
Os padres o instruíram
Para o serviço de Deus,
E conhecer a defesa
Contra os males dos ateus...

Era moço e vigoroso,
E mui valente guerreiro:
Sabia mandar manobras
Ou no campo ou no terreiro;
E na cruzada dos perigos
Sempre andava de primeiro.

Das brutas escaramuças,
As artes e astimanhas
Foi o grande Languiru
Que lh'ensinou; e as façanhas,
De enredar o inimigo
Com o saber das aranhas...

E tudo isso aprendia;
E tudo já melhorava,
Sepé-Tiaraiú, chefe
Que os Sete Povos mandava,
Escutado pelos padres,
Que cada qual consultava.

Eram armas de Castela
Que vinham do mar de além;
De Portugal também vinham,
Dizendo, por nosso bem:
Mas quem faz gemer a terra...
Em nome da paz não vem!

E quando a guerra chegou
Por ordem dos Reis de além,
O lunar do moço índio
Brilhou de dia também,
Para que os povos vissem
Que Deus lhe queria bem...

Era a lomba da defesa,
Nas coxilhas de Ibagé,
Cacique muito matreiro
Que nunca mudou de fé:
Cavalo deu a ninguém...
E a ninguém deixou de a pé...

Lançaram-se cavaleiros
E infantes, com partasanas,
Contra os Tapes defensores
Do seu pomar e cabanas;
A mortandade batia,
Como ceifa de espadanas...

Couraças duras, de ferro,
Davam abrigo à vida
Dos muitos, que, assim fiados,
Cercavam um só na lida!...
Um só, que de flecha e arco,
Entra na luta perdida...

Eram armas de Castela
Que vinham do mar de além;
De Portugal também vinham,
Dizendo, por nosso bem:
Mas quem faz gemer a terra...
Em nome da paz não vem!

Os mosquetes estrondeiam
Sobre a gente ignorada,
Que, acima do seu espanto,
Tem a vida decepada...;
E colubrinas maiores
Fazem maior matinada!...

Dócil gente, não receia
As iras de Portugal:
Porque nunca houve lembrança
De haver-lhe feito algum mal:
Nunca manchara seu teto...;
Nunca comera seu sal!...

E de Castela, tampouco
Esperava tal furor;
Pois sendo seu soberano,
Respeitara seu senhor;
Já lhe dera e ouro e sangue,
E primazia e honor!...

A dor entrava nas carnes...
Na alma, a negra tristeza
Dos guerreiros de Tiaraiú,
Que pelejavam defesa,
Porque o lunar divino
Mandava aquela proeza...

Eram armas de Castela
Que vinham do mar de além;
De Portugal também vinham,
Dizendo, por nosso bem:
Mas quem faz gemer a terra...
Em nome da paz não vem!

E já rodavam ginetes
Sobre os corpos dos infantes
Das Sete Santas Missões,
Que pareciam gigantes!...
Na peleja tão sozinhos...
Na morte tão confiantes!...

Mas o lunar de Sepé
Era o rastro procurado
Pelos vassalos dos Reis,
Que o haviam condenado...
Ficando o povo vencido...
E seu haver... conquistado!

Então, Sepé foi erguido
Pela mão de Deus-Senhor,
Que lhe marcara na testa
O sinal do seu penhor!
O corpo, ficou na terra...
A alma, subiu em flor!...

E, subindo para as nuvens,
Mandou aos povos benção!
Que mandava o Deus-Senhor
Por meio do seu clarão...
E o lunar na sua testa
Tomou no céu posição...

Eram armas de Castela
Que vinham do mar de além;
De Portugal também vinham,
Dizendo, por nosso bem...
Sepé-Tiaraiú ficou santo
Amém! Amém! Amém!...

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